quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Saiu no Jornal do Commercio, ó!
Por isso, agora, só quero saber deste presente que bate todo dia à minha porta, me chamando pra viver.

*Adoro*

Uma aposta no futuro
Publicado em 08.11.2009

Desisti de contar, faltam dedos para enumerar, os casais que conheço e que se separaram, temporariamente, com a melhor das intenções. Para, logo em seguida, se separarem com a pior das intenções: nunca mais querer estar. São casais que resolveram se distanciar ao aceitar trabalhos em outros Estados, estudos em outros países, mais grana em outras cidades, grandes sonhos em novas capitais. Um “vou ali e volto já em nome de nós dois”. Que melhor intenção pode existir do que aquela que pretende apostar no futuro? Quem há de esbravejar contra o futuro? É o futuro, afinal, que nos faz construir, que nos impede de cortejar o abismo das atitudes momentaneamente sedutoras, porém vazias.

Quando vivemos permanentemente num suposto tempo futuro aguentamos os maiores desaforos do tempo presente. Tudo em nome da promessa de “casinha feliz para sempre num futuro não muito distante”. Infelizmente, os casais que assim pensaram – salvo raras exceções – não contaram com a astúcia e a flexibilidade dessa variável chamada tempo e, é verdade, foram muito mais corajosos (ou seria, otimistas?) do que manda o manual pelo qual parece se guiar a vida real.

Não é um manual muito inteligente esse que rege as coisas do coração. É, antes, um amontoado de clichês, uma espécie de sabedoria oral, repetitiva e certeira, que é transmitida pelas nossas avós às nossas mães e que nós, na típica ousadia daqueles para quem o presente parece ser um futuro permanente, ousamos desafiar. “O amor não tolera a distância”, diz uma dessas regras de ouro. A verdade contida nesse enunciado está no fato de que toda ausência é atrevida em sua coragem de subsistir sem o outro, na sua empáfia de chope sozinho em mesa de bar. A distância é uma senhora mentirosa, ela zomba de nós acenando com tudo e não nos dando nada do que prometeu. E a distância não é apenas geográfica, ela é também representada pelos planos de vida que tomaram direções opostas.

Vi casais maravilhosos se separarem pela simples não observância dessa sabedoria popular: para eles, não deveria existir um futuro que não o agora vivido intensamente. Casais que se separam para construir um futuro-mais-que-perfeito normalmente naufragam antes da chegada ao indefinível porto seguro. E quando, por acaso, lá chegam, veem que é apenas uma escala antes da próxima viagem. E o motivo é muito simples: o tempo porvir é uma mera abstração, que não podemos balancear tal e qual um orçamento doméstico. Ele será o que será.

O futuro, nessa perspectiva, passa a ser quase um filho pra gente. Acalentamos ele junto ao peito, nutrimos e esperamos que ele cresça para nos resguardar mais adiante. Ficamos tão desapontados quando ele nos joga no asilo dos relacionamentos fracassados.

Há casais que não se amam mais e amargam um vida inteira juntos esperando o futuro de uma velhice sem emoções. Para eles, o vale-seguro que está em jogo é a garantia de que alguém há de querê-los quando nenhuma outra explicação racional (e material) assim justificar. Quando uma das partes quebra o contrato tácito é rotulado como “ingrato”. Devíamos escrever esta cláusula logo de uma vez.

Há casais que se amam muito, mas topam a separação – momentânea – para garantir a mesma fantasia com base no futuro, só que com hipotético final feliz. O futuro passa a ser uma terceira pessoa entre o casal. Personagem que, diga-se de passagem, não existia quando o casal era puro desejo adolescente de apenas “querer respirar o mesmo ar que o outro”. A ansiedade pelo futuro chega com o casamento, os filhos, a responsabilidade, a obrigação de apostar no que não é efêmero. Como se efêmeros não fôssemos todos nós, por definição. Eu vi o desamparo no olhar desses casais, reféns de sua própria decisão. Ao apostar no futuro, deixaram de jogar seus dados no presente. Trágica e fatalistamente perderam, justamente, o futuro, essa coisa que pode existir ou não.

Disponível em: http://jc3.uol.com.br/jornal/2009/11/08/col_35.php
Acesso em: 25/11/2009, às 23h31

2 comentários:

Unknown disse...

ótimo texto, lulu!

:***

Unknown disse...

Texto muito bom! Análise muito bem feita!Puro Schopenhauer (vide comentário do dia 24 de outubro). Qualquer semelhança não será mera coincidência...
Na história da humanidade parece que o script é o mesmo, só mudam os nomes dos personagens...
Coisa difícil ser sábio. Afinal, ser sábio não é aprender com os próprios erros. É aprender com os dos outros. Mas, aí, é preciso algo mais. É preciso ser humilde. E ser humilde é uma das coisas mais nobres (e difíceis) que um ser humano pode ser: é desenvolver a capacidade de perceber o seu âmago e o que nele é merecedor de transformação, e deixar para sempre a condição de ser humano tornando-se verdadeiramente em uma pessoa.
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