quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tudo estava igual, mas agora o ar se cortava com faca. Ele sabia o mal que fizera a ela, mas não imaginava que o tempo, embora um só, fazia-se lento para aqueles cujo mais grave e único delito fora amar demais.

Quis manifestar-se, mas a vergonha de sua mesquinhez o manteve silente a observar o tempo que esquecera de passar por ali. Pensou em dizer a ela toda a verdade, a confusão que lhe tomou o peito e fê-lo agir sem respeito com alguém a quem um dia dirigiu palavras de amor questionavelmente verdadeiro. Fraco, não pôde; não quis; não soube.

Mas agora ela estava ali, olhando para ele, esperando qualquer palavra que nem ela, nem ele sabiam.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sentou-se em frente a ele, encarando-lhe o olhar baixo de quem em bolsos escondia as mãos. Ponderou. Levantou-se mais uma vez e flutuou em direção ao café que esfriara sobre a mesa. Deu um gole, talvez o mais amargo desde a partida dele. Voltou a encará-lo.

Quis lhe bater, macular os traços que ainda restavam daquele a quem um dia se entregou. Não havia por quê. O amante sucumbira entre os lençóis; o amado, no desbotamento natural das lembranças que, naquela cidade fria, ele deixou para trás.

Em pensamento, atirou a xícara contra a parede branca, mas deixou por isso, porque depois estaria mais uma vez sozinha a juntar cacos, remontando metaforicamente o que vinha sendo a sua vida desde o dia em fora amputada da história que ajudou a construir.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Eram 7h da manhã de um sábado nublado.
Sentada à mesa, ela lia as manchetes do dia anterior. O café esfriara e o pão, adormecido, permanecia encostado a um canto do prato.

Ouviu a campainha. Dirigiu-se à porta e pôde avistá-lo pelo olho mágico.
Quanto tempo havia desde seu último contato? Por que a procurava agora?

Amarrou o robe floral de seda e, respirando fundo, girou a chave e a maçaneta. Olharam-se por poucos e infindáveis segundos, até que ele, no olhar, convidou-se para entrar. Embora receosa, apontou-lhe o sofá ao lado do corredor, onde repousavam as almofadas que ele lhe dera em seu último aniversário.

O tempo havia parado ali: os mesmos quadros, os livros e as correspondências que ele deixara para trás. Olhou ao redor e lembrou o que viveram naqueles espaços: entre cafés e fotos, risos e abraços ausentes; a lista das coisas que sonharam juntos, em separado.

Enquanto isso, encostada à janela, ela fitava as nuvens que ainda se podiam distinguir no céu cinzento. Cultivava o silêncio que ele lhe oferecera durante anos de ausência inexplicada; esperava por um gesto, por uma palavra que lhe justificasse o tempo que esperara por eles. Nada.

Então ela se viu sozinha, como sempre esteve, mas respirou toda liberdade que alguém poderia ter. E, de repente, ser livre não mais a assustava.
 

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